Segunda-feira, 25 de Setembro de 2017

Eu era homofóbico

Nasci como se diz com tudo no sítio e num ambiente familiar bastante religioso desde escolas privadas e uma formação religiosa através de vários anos de catequese na paróquia lá do sítio. Os meus pais tementes ao seu Deus quando foi a altura própria e depois de já ter sido batizado também me fizeram a comunhão solene. Já estava nos meus catorze anos, lindo como o Deus grego Eros, de cabelos louros e descaídas costas abaixo e uma compleição física de meter inveja aos colegas derivado à frequência de ginástica desde muito novo.

Naquele dia de comunhão lá fui eu todo vestido de branco usando pela primeira vez calças há homem. Tinha deixado os calções para sempre. Entre todos os nubentes era eu o mais destacado não só pelo meu porte atlético como na altura, pois era o mais alto de todos. Os fotógrafos não me largaram assim como as meninas, para agrado de meus pais Até parecia que já naquela idade me queriam arranjar namorada.

A festa continuou lá em casa com muitos convidados inclusive o Sr. Padre e o Sacristão, jovem um pouco mais velho que eu.

Entre os convidados existiam um casal com uma filha da minha idade mas que não conhecia mas eram paroquianos da mesma igreja e gente de dinheiro facto que meus pais logo se tornaram amigos.

 A partir daquele dia passamos a ir todos os Domingos à missa do meio-dia. Estavam a acabar as férias de verão e meus pais resolveram mudar-me de escola ou seja, para a mesma que era frequentada pela tal menina que se chamava Isabel.

Por força das circunstâncias todos nós os quatro começámos a frequentar as casas uns dos outros.

Pela minha parte só lidava com a Isabel quando estávamos todos juntos, pois tinha outras amigas e amigos na escola com quem fazia questão de passar mais o tempo pois não eram tão ligados à Igreja abrindo-me assim mais conhecimentos próprios da idade.

 

As nossas famílias eram o que se pode chamar de retrogradas em relação aos tempos que estávamos vivendo.

Durante aquele ano era sempre a mesma coisa. Escola, casa, igreja e um ou outro fim-de-semana no Algarve onde tínhamos uma casa de verão.

Sempre fui educado segundo aos mandamentos da Igreja Católica em que o casamento é para sempre e o relacionamento entre homens era quase proibitivo pois o que estava certo era homem mulher com a finalidade da procriação para continuação do género.

 

Já no fim do ano escolar foi quando descobri que a finalidade do convívio de meus pais com aquela família era com a ideia de me aproximar mais com a Isabel a fim de namorarmos pois viam ali um bom partido para o casamento futuro do seu filhote.

 

Com a passagem do tempo eu já estava nos dezasseis anos. Como todos diziam lindo, bem-educado e de formas físicas já de homem. Bem tratado o tal Eros que na mitologia grega é sempre tratado como um garotinho alado, de cabelos louros com aparência de inocente e travesso que jamais cresceu e que simboliza a eterna juventude do amor profundo, espalhando amor por toda a gente.

 

Acabaram as aulas e começaram as férias de verão. Como a nossa casa no Algarve é bastante grande meus pais convidaram o tal casal o Padre e o sacristão a passarem lá pelo menos quinze dias. Como a casa ficava na Quarteira fiquei todo satisfeito não só porque a data coincidia com o me aniversário do dezassete anos como era na Quarteira que alguns colegas do ginásio e da escola tinham lá casa, ficando desde logo agendado fazer lá uma grande festa de aniversário. Meus pais não atinaram lá muito bem com a minha proposta, mas como ia também o Jorge (sacristão) que também fazia anos mas dezoito, com a Isabel pelo meio sempre era rapaziada para preencher a festa.

 

Chegada ao Algarve.

 

Depois da missa daquele Domingo lá fomos todos para a Quarteira. Parecia um casamento pois eram vários carros, o nosso, o da Isabel com os pais, o do Padre com o Jorge e mais dois carros de meus amigos pois tínhamos combinados irmos todos no mesmo dia.

 

Quando chegamos já era horas da janta e combinamos encontrarmo-nos todos num restaurante depois de cada um ir a suas casas depositar as malas e apresentarmo-nos todos convenientemente.

 

Hás vinte e uma horas, lá estamos todos no restaurante onde fomos todos apresentados.

Os meus colegas João, Carlos e Victor com os respetivos pais. Depois das respetivas apresentações e das entradas alinhamos propriamente dito no jantar onde se teve umas conversas de circunstância para além de meus pais ficarem a saber quem eras aqueles rapazes e seus respetivos pais e o que faziam na vida.

Minha mãe estava esfusiante de alegria pois não sabia que me dava com gente de tão bom porte económico.

Quando chegou o fim do Jantar e passamos para o Salão a fim de tomar o café e respetivo Porto.

O Sr. Padre olhando para o fundo do salão e verificando haver um piano logo sugeriu que o Jorge para além de ser sacristão na sua paróquia também tocava órgão, tocasse umas baladas para legrar o resto da noite. Que o rapaz aceitou de agrado.

No caminho para o piano a Isabel que estava a meu lado segredou-me

- Espero que o gajo não vá tocar nenhuma missa…

- Vais ver que não!... Já o ouvi lá nos coros e o gajo tem pinta de cantor romântico.

 Assim que o Jorge se sentou ao piano começou dedilhando as teclas com tal magia que parecia um profissional a sério, começando com a introdução de tema “Emoções” de Roberto Carlos.

O nosso espanto foi maior quando com uma voz maviosa começou a interpretar:

 

“Quando eu estou aqui
Eu vivo esse momento lindo
Olhando pra você
E as mesmas emoções sentindo
São tantas já vividas
São momentos que eu não esqueci
Detalhes de uma vida
Histórias que eu contei aqui”

 

Ficamos todos de boa aberta com este tema e a forma como o foi interpretando, não devendo nada ao Roberto Carlos, Aplaudimos de pé mas o pior viria a seguir quando ele continuou com outro tema do Roberto “Como é grande o meu amor por você”

 

“Eu tenho tanto pra lhe falar
Mas com palavras não sei dizer
Como é grande o meu amor por você
E não há nada pra comparar
Para poder lhe explicar
Como é grande o meu amor por você
Nem mesmo o céu, nem as estrelas
Nem mesmo o mar e o infinito
Não é maior que o meu amor, nem mais bonito”

 

Isabel que continuava a meu lado voltou a comentar:

 

- Mas o gajo já esteve e volta a estar apaixonada!... Por quem será?

- Deve ser por alguma manina lá do coro.
 - Quem dera que fosse por mim. O gajo é muito giro

 

Todos bateram palmas a abraçaram-se ao Jorge que recebeu ao afagos e carinhos de todos mas quando chegou `quarta canção levantou.se do piano e comentou:

- Estou verdadeiramente satisfeito pelos vossos carinhos mas há entre nós alguém que já ouvi cantar uma vez ,embora na brincadeira lá no coro da igreja e como vai ser novidade para todos, vou pedir-lhe para se juntar a mim em Nossa Senhora.

Ficaram todos expectantes pois ninguém sabia quem tinha essas virtudes. Foi a vez do Padre se me dirigiu:

- Então? É contigo que ele está a falar. Já te ouvi, ou estás com vergonha.

Se tivesse ali um buraco tinha-me enfiado com vergonha, Pois nem os meus pais sabiam que cantava mas observando a conversa dirigiram-se-me e fizeram questão de mostrar os meus dotes e todos em uníssono gritaram: Canta, canta, canta, canta. Até que me dirigi ao piano e dividi a canção com o Jorge, começando:

 

“Cubra-me com o seu manto de amor

Guarda-me na paz desse olhar

Cura-me as feridas, e a dor

Me faz suportar

 

Que as pedras do meu caminho

Meus pés suportem pisar

Mesmo ferido de espinhos

Me ajuda a passar

 

Se ficaram mágoas em mim

Mãe tire-as do meu coração

E àqueles que eu fiz sofrer

Peço perdão

 

Se eu curvar meu corpo na dor

Me alivia o peso da cruz

Interceda por mim, minha mãe

Junto a Jesus”

 

O Jorge seguiu:

 

“Nossa Senhora me dê a mão

Cuida do meu coração, da minha vida

Do meu destino

Nossa Senhora me dê a mão

Cuida do meu coração

Da minha vida, do meu destino

Do meu caminho

Cuida de mim”

 

Todos estavam de boca aberta e a gostar mas ninguém entendia que uma canção daquelas fosse cantada por dois homens, mas Deus sabia o que estava a fazer e os duetos continuaram.

A festa acabou às tantas da madrugada já com assistências de outros veraneantes que se tinha juntado a nós.

Cada um foi para suas casas e ficou combinado todo o mundo encontrar-se na piscina de minha casa pois meu pai tinha oferecido um churrasco para todos.

 

No dia seguinte

 

Naquela manhã ninguém me foi acordar o barulho que a malta fazia na piscina entrava pela janela do meu quarto sobranceira aos jardins. Fu espreitar e lá estavam todos – novos e velhos – aos saltos, saltinhos e acrobacias para a água. Na churrasqueira já deitava fumo e à volta dela já se encontrava meu pai e os pais dos outros acendendo o lume.

- Porra!.. Já é hora de almoço? – Comentei de mim para mim – Olhei para o relógio e de facto já eram quase duas horas da tarde.

Levantei-me apressadamente, vesti uns calções dirigi-me à piscina. Estava a sair o Jorge que à frente de todos se agarrou a mim deu-me um grande abraço ao mesmo tempo com um beijo nos lábios.

Eu gostei!.. Senti em mim algo de estranho e a minha mente disse-me “Afinal não sou homofóbico” demos as mãos e demos um salto para água.

 

Qualquer semelhança com factos reais é mera coincidência, ou não! O geral ultrapassa a ficção

           Nelson Camacho D’Magoito

        “Contos ao sabor da imaginação” (311)

             Para maiores de 18 anos

                 © Nelson Camacho
2017 (ao abrigo do código do direito de autor)

música que estou a ouvir: Nossa Senhora
Estou com uma pica dos diabos:
publicado por nelson camacho às 18:22
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