Segunda-feira, 1 de Setembro de 2014

Afinal ele é bissexual - I Capitulo

afinal ele é bissexual - elon camacho d'magoito

I Capitulo 

     Já lá vão dois anos quando numa noite sem saber o que fazer depois de um jantar num dos restaurantes na rua das Portas de Santo Antão resolvi ir ver uma peça de Filipe Lá Féria no teatro no Politeama. O teatro, como é hábito, estava cheio e no intervalo pedir uma bica ao balcão do bar estava a ser difícil. A fila estava grande até que um jovem que se encontrava à minha frente olhando para trás e mirando-me de-alto-a-baixo perguntou:

 

        - É bica que quer?

        - Sim!... Disse um pouco admirado.

 

      O moço falando um pouco mais alto para o empregado pediu:

 

         - Jorge!... Podes dar-me duas bicas?

 

      E rapidamente as duas bicas apareceram em cima do balcão.

 

        - Afinal de contas sempre é bom ter um amigo em tudo o que é sitia!... Comentei eu.

     - Sim!.. É verdade! Eu faço questão de fomentar amigos para viver melhor. Sem amigos deve ser uma pasmaceira.

        - Pois!.. De facto tem razão. Viver sem amigos deve ser chato. Olhe… Agora deu certo. Conseguimos passar à frente de toda a gente.

         - Pode ser não muito ético mas quem não tem uma migo tá lixado.

 

     A conversa estava a ser interessante mas havia mais gente para ser atendida e pegámos nas chávenas e afastamo-nos.

     Não tendo mais nada para dizer naquele encontro furtuito tentei fazer uma conversa da treta:

 

        - Não há dúvida que o nosso povo é cheio de habilidades.

        - Pois!.. Quem não tem uma boa cunha está tramado.

        - Onde houver uma fila, dá sempre jeito.

       - Não é só nas filas. É nas finanças, nos bancos nos empregos e até no teatro. Eu por exemplo, é através de amigos que arranjo sempre bilhetes para o teatro.

        - Não me diga que hoje também foi uma borla.

        - Venho ver todas as peças aqui do politeama.

        - Não é uma questão de queixa, mas vir ao teatro que adoro não pode ser actualmente a prioridade. Moro fora de Lisboa e fazendo contas. Gasolina, jantar e o bilhete, tirando um copo ou outro depois do teatro não fica menos de cem euros e a vida não está para brincadeiras.

 

     Não me estava a queixar à primeira pessoa que encontrava, mas sim a constatar um facto de como vive a maioria dos portugueses.

 

    João. Pois era o nome que mais tarde vim a saber se chamava o meu novo amigo olhava-me atentamente e quando se prontificava para o contraponto do meu diálogo, tocou a estridente campainha avisando que o intervalo tinha acabado.

 

        - Gostei do seu ponto de vista. Encontramo-nos à saída para um bate papo? Perguntou João.

        - É meu hábito no fim, ir tomar um copo ao Riba Douro aqui em frente. Se me procurar, terei muito gosto.

 

     Como não podia deixar de ser fiquei bastante satisfeito com a peça, aliás, outra coisa não era de esperar pois todas as realizações do Lá Féria são dignas de se verem. Dirigi-me para o Riba Douro e procurei uma mesa a um canto, pedi um fino e um prego. Tinha jantado já há uma horas e como não fazia tenções de fazer algo para comer quando chega-se a casa, já ia remediado para me deitar. Nunca pensei voltar a ver o tal João, mas enganei-me. Aí estava ele de nariz no ar procurando-me. Encontrou-me e sem mais elas, sentou-se.

 

        - Prontos!... Cá estou.

        - Se quer saber honestamente não o esperava.

        - Mas eu não disse que gosto de fazer amigos?

        - Sim!... De facto!... Mas como não sou muito de entabular conversa com a primeira pessoa que conheço. Não esperava.

        - Sabe!.. Gostei de ouvir o que disse a respeito das possibilidades das pessoas nas idas ao teatro.

      - De facto o que eu estava a tentar dizer não era de forma alguma a queixar-me mas a constatar um facto de como vive a maioria dos portugueses. Já não é nada como antigamente.

        - Mas acha que antigamente se vivia melhor?

       - Podia não haver tanta fartura nem as novas tecnologias, mas por exemplo: Em termos de teatro as salas estavam sempre cheias e no Parque Mayer havia quatro teatros com duas sessões permanentemente a trabalharem. O Teatro Nacional, outro tipo de teatro, também faziam grandes produções com grandes actores e as salas estavam permanentemente cheias, assim como o Teatro Nacional de São Carlos, não falando no Coliseu onde vi grandes companhias de circo espectáculo que hoje só é possível ver nos circos itinerantes e de fraca qualidade.

         - Amigo… Isso não é um pouco de saudosismo?

        - Não!... É a realidade dos factos. Não me venham dizer que hoje se vive melhor que antigamente. Veja-se a questão dos empregos. Havia emprego para toda a gente. Eu cheguei a trabalhar em várias empresas na mesma rua. Quando me chateava com uma ou porque me ofereciam mais uns escudos, rapidamente saltava para outra. Só não tinha trabalho quem não queria.

         - Mas hoje as técnicas e os saberes são outros….

 

        - Sim…. Tem razão… Mas a fome também é outra. Já viu quantos milhares de pessoas sobrevivem com reformas de duzentos e tal euros? Quantas casas são entregues ao banco por falta de pagamento. Quantos licenciados nisto e naquilo estão desempregados e não saem ou voltam para casa dos pais ou não casam para constituir família? E quando o fazem a primeira atitude a tomarem é não terem filhos.

        - Talvez se não houvesse ou tenha existido tudo isso, neste momento não estaríamos a conversar e eu a aprender mais um pouco do que é a realidade da vida.

       - Meu caro, não sou nenhuma enciclopédia da vida mas com experiência suficiente para poder separar o trigo do joio. Tudo o que a rapaziada de agora faz, também eu já fiz no meu tempo de juventude, mas com mais tino.

        - Para quem o ouvir falar até parece que tem uma avançada idade.

         - Uma forma simpática de me chamar “cota” mas já fiz tudo que o homem pode fazer.

         - Tá visto que é casado.

       - Não!... Já casei pela Igreja e outros de ajuntamento, tenho um filho, escrevi um livro e plantei várias árvores. Hoje quero gozar o mais possível os restos que me restam.

         - Mora em Lisboa?

        - Não!... Moro no Magoito. Uma terra simples e pacata onde tenho uma casa sobranceira ao mar, deliciando-me com a praia mesmo ali ao lado.

          - Tem piada…. Magoito não é uma praia da linha de Sintra?.... É que eu moro também na linha.

          - E mais propriamente dito onde?

          - Não tenho a sorte de morar junto ao mar mas tenho a Serra. Ainda moro em casa de meus pais, numa casa antiga e mesmo na Vila.

 

     Já estávamos apresentados e ditos o essencial de cada um e seguimos com uma conversa da treta até que um empregado chegou junto a nós a informar que iam fechar. Nem demos pelas horas.

 

         - Na nossa apresentação eu disse chamar-me João e você?

 

     Alália de brincadeira respondi:

 

         - Nelson. Um seu criado.

 

      Tomando conta da forma como disse meu nome, também respondeu num tom que poderia ter sido sarcástico mas no fim vim a descobrir que havia algo mais.

 

         - Sabe Nelson, esta noite aconteceu algo que há muito andava esperando.

         - Mas como assim?

         - Sou um rapaz novo e sempre gostei de ter amigos mais velhos. Pessoas que têm um saber especial e que me podem ensinar o que não se aprende nas escolas e nas curtas experiência de vida que vamos tendo. Já não tenho Pai nem avô para me contarem coisas do antigamente. A malta da minha idade nada de novo me apresenta. Aos dezoito anos conheci um tipo de quarenta anos que me abriu os olhos para a vida. Partiu inesperadamente depois de um ano de convivência e até agora foi a primeira vez que conheci alguém com o perfil indicado para uma futura amizade, se assim estiver disposto.

 

     Se aquela conversa tivesse sido feita por uma garina seria ela que me estava a engatar. Mas não! Não podia ser. O João era um rapaz já com vinte e poucos anos, bem-apessoado e com uma apresentação agradável e sem quaisquer tiques que o meu cérebro se virasse para outro contexto.

      Pagamos a nossa despesa, cada um a sua - à moda do Porto – e saímos.

Já na rua deu-me um cartão com o telefone e fui obrigado a dar-lhe também o meu.

 

        - Então despedimo-nos aqui e espero que um dia me telefone para me dar outra lição de vida.

        - Onde deixou o carro?

        - Mas eu não tenho carro. Vim de comboio.

        - Deve ser uma grande chatice andar de comboio, principalmente a esta hora da noite.

        - Mas também é mais rápido e não estamos sujeitos a acidentes.

        - Pois tem razão mas enquanto poder, quem me tira o carro tira-me tudo. Sabe uma coisa?

        - O que é?

       - Já não sei andar de autocarro. Perco-me sempre. De comboio às vezes ando e de metro também. Já lá vai o tempo em que tinha dois carros. Um em casa e outro em Lisboa. Vinha de comboio e assim evitava a estrada.

         - Isso é que era boa vida…..

         - Pois como vê. Nalgumas coisas o antigamente era melhor. Hoje só tenho um carro e viva o velho.

         - Pois eu tenho de me apressar pois está na hora do último comboio.

         - E se eu o levasse a casa, já que não dista muito da minha.

         - Epá!.. Isso era a cereja no topo do bolo.

 

     Assim aconteceu. Caminhámos até à avenida da Liberdade onde tinha deixado o carro e seguimos viagem.

Durante o caminho falamos de tudo e de todas as coisas enquanto íamos ouvindo um pouco de musica emanada de uma pen que é uma playlist que faço para viagens com todo o género. Desde o fado até aos clássicos.

     A viagem correu normalmente com conversa de circunstância até chegarmos a Sintra.

     Quando parei o carro junto à morada que ele me tinha indicado.

     Olhou para mim com ar de interrogação e disse:

         - Posso dizer-lhe uma coisa muito íntima?

         - Claro que sim!.. Creio que já nos conhecemos o suficiente. Venha de lá essa coisa íntima.

 

      Já tínhamos falado de tanta coisa que mais uma revelação íntima certamente não me iria afectar no entanto fiquei expectante perante o olhar penetrante do João.

 

         - Não te vais zangar comigo?

 

     Não deu tempo a dizer qualquer coisa ou seja se iria ficar zangado ou não pois senti suas mãos envolverem-me a cabeça e dar-me um tremendo beijo na boca.

 

      Todo o meu corpo estremeceu e depois fiquei inerte. Talvez porque a minha reacção não tivesse sido de desaforo, senti as mãos do João com mais força na minha cabeça e voltou a beijar-me. Desta vês um beijo mais condimentado ao qual retorqui com língua e tudo e como não houvesse amanhã.

     Não sei o que estava a acontecer, mas sabia que há muito alguém não me beijava assim de tal forma que durou algum tempo.

 

     Afastamo-nos e João com o ar mais carinhoso que jamais tinha visto balbuciou:

 

         - Desculpa… mas sou gay e fiquei apaixonado por ti.

 

     Se tivesse um buraco por ali tinha-me enfiado por ele abaixo. Embora situações destas já se me tenham deparado ao longo da vida, desta vez foi como um balde de água fria derivado ao já me encontrar na casa dos cótas. Só tive ocasião para dizer:

 

- Tudo bem!...

- Não esperavas? Não estás zangado comigo? Entendes o que fiz? Não és contra dois homens amarem-se? Não és homofóbico? Ficas bem?

- Tá…Tá…. Tá tudo bem. Não é preciso tantas perguntas e não fiques atrapalhado. Não sou homofóbico e entendo muito bem as relações entre homens. Só que não estava à espera desta.

- Gostaste do beijo?

 

     Não sei bem porquê mas com dois dedos coloquei-os nos lábios dele como a cala-lo e foram os meus lábios que se aproximaram dos dele como a selar em segredo que seria só nosso.

 

     Estávamos os dois um pouco atrapalhados e olhando para fora do carro já víamos lá ao fundo alguém a descer a rua com o sol a começar a despontar no horizonte.

 

          - Telefonas um dia destes? Depois de te passar o susto? – Perguntou o João ao mesmo tempo que se ria com ar de sacaninha. Abri-o a porta e lá ia à sua vida.

 

      Ainda mal refeito de tudo o que acontecera, coloquei o sinto de segurança e fui para casa.

Segue para o II Capitulo

 

As fotos aqui apresentadas são livres de copyright e retiradas da Net.

Qualquer semelhança com factos reais é mera coincidência, ou não! O geral ultrapassa a ficção

 

 

       Nelson Camacho D’Magoito

             “Contos ao sabor da imaginação”

          Para maiores de 18 anos

            © Nelson Camacho
2014 (ao abrigo do código do direito de autor)

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