Naquele dia, incontáveis pessoas se reuniram ao entardecer para comemorarem. Homens e mulheres, batucavam e cantavam felizes por terem vencido mais uma batalha na guerra. Havia carne espalhada da recém-batalha, bebidas em abundância, fogueiras sendo acesas e muitas pessoas dispostas a não dormir naquela noite. A euforia era o sentimento que preenchia o ar, no céu cores alaranjada como se os deuses também acendessem fogueiras para comemorar.
A batalha tinha sido particularmente fácil, o inimigo débil e sonolento não teve tempo –e nem coragem, para se erguer diante do exército que viria. Estava disposto a muito pouco, o que não soubera, mas naquele dia, este pouco, lhe custaria quase tudo. O exército vencedor não precisou de estratégias para atacar o inimigo, não fora dividido para avançar pelos flancos, nem ordens foram dadas para atacar pelas costas. Apenas formaram um bloco espesso de guerreiros que gritavam e enfiavam suas espadas nas tripas de homens que nem tiveram tempo de acordar para morrer.
Por isso comemoravam. Não esperavam uma vitória tão genuína e fácil. Alguns inclusive, comentavam que, por conta do grande número de sacrifícios que haviam feito naquela estação, finalmente tinham sido abençoado pelos deuses. Mas havia controvérsias. Três, para ser mais exacto.
Havia dois homens e uma mulher naquele campo, que não tinham motivo algum para comemorar. Naquela tarde, enquanto atacavam um lado afastado da aldeia com a mesma facilidade que os demais, descobriram um imprevisto. Imprevisto que estava acordado, à espreita, esperando. Este, estava mais disposto a lutar, a não desistir e covardemente atacou o capitão pelas costas, perfurando-lhe o pulmão e fugiu. E o que poderia ser única luta honrada da batalha, sendo dois homens somente com suas espadas e sua gana pela vida, se transformou na morte mais bestial daquele exército. Tão bestial que quase não foi lembrada por aqueles que tanto tinham a comemorar.
Mas aqueles três, enquanto observavam a sombra das pessoas que dançavam em torno de postes com bandeiras, não tiveram coragem de ficarem próximos. Estavam afastados um do outro, e mal cruzavam olhares. Apesar da cerveja em suas mãos, um sorriso por vezes amarelo em seus rostos e da distância inconsciente de seus corpos, tinham algo em comum. Tinham uma morte em comum. Naquela batalha, eles haviam perdido. Foram os únicos que viram o que ocorrera com o capitão, a vida se esvaindo, as pupilas dilatando, o grito esganiçado e a visita da morte, deixando ali, um corpo inanimado, sem cor, sem vida. Juntos descobriram que a morte é um não-existir, não-pertencer, não-estar. A trepidação do fogo, os fazia lembrar que na noite anterior brindaram ao capitão, levantaram canecas e lhe juraram lealdade, lhes prometera a vida, caso fosse necessário. E não foi. No momento em que a alma do capitão fora levada, colocaram sua espada em suas mãos e uma moeda em seu bolso para que o barqueiro o levasse em segurança para o mundo dos mortos.
A festa, que acontecia naquele campo, era em suma, para comemorar a vida. Então, aqueles guerreiros brindavam e sentiam-se felizes, completos, por estarem todos bem. Vivos. Só havia três corações que sangravam despedaçados ali. Três pessoas que exibiam falsos sorrisos, com aquela cruel lembrança que ia e vinha… A proporção da vontade de esquecer, era inversamente proporcional à facilidade de lembrar. Não havia mais dor, era um desconforto que eles sabiam, ia durar até enquanto durassem suas vidas, que sempre apunhalariam seus corações com a mais severa das lembranças. E isso os consumia.
Em meio à comemoração a vitória, os três choravam pela morte. Essencialmente, é assim mesmo que a vida funciona. Em um momento se existe, para em outrora, não mais ser, sentir ou viver. A vida é passageira, o não-existir é constante na passagem dos que ficam. Tudo se resume a um ciclo vicioso, um processo que não pára. Um Caronte que não descansa, nunca.
Qualquer semelhança com factos reais é mera coincidência, ou não! O geral ultrapassa a ficção
Nelson Camacho D’Magoito
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Para maiores de 18 anos
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