Pedaços de vida
Um conto em III actos
Veja como tudo começou clicando (AQUI)
III Acto
Aquelas escadas não eram mais as escadas da igreja onde conheci o Carlos e a Isabel mas sim as escadas do tribunal onde se estava a delinear o resto da minha vida.
As minhas memórias estavam a voltar lembrando-me dos anos passados com o Carlos e um arrepio subiu-me espinha acima quando meus pais e os do Carlos saíram do tribunal e seus olhares se cruzaram com os meus com esgares de desprezo e sem um bom-dia me desejarem.
Os quatro dirigiram-se a seus carros e somente Isabel ficou para traz indo-se sentar a meu lado tal como na primeira vez que a conheci e a pergunta foi outra. Não a que estava ali a fazer mas a confortar-me e perguntando-me se estava bem.
Não!... Não estava!.. Estava com raiva por tudo o que me tinha acontecido.
Quando naquele dia o Carlos me salvou de morrer afogado na sua piscina algo me tinha acontecido que só mais tarde compreendi. Foi naquele fim-de-semana nas férias da Páscoa em Fátima que compreendi que aquele salvamento, ainda com treze anos, tinha despertado algo em nós de maravilhoso quando naquela noite as nossas noites se modificaram para sempre. A minha amizade com o Carlos e o Jorge então namorado da Isabel que mais tarde a deixou dedicando-se aos prazeres das noites boémias e passando a requentar os Bares de temática Gay enquanto o Carlos continuou a ser o meu companheiro e amigo.
Quando atingimos os dezoito anos num jantar de família resolvi abrir o jogo e depois de já tudo combinado com o Carlos resolvi contar a meus pais que já tínhamos arrendado um apartamento e emprego e que iriamos viver juntos.
Como ambos até aquela data ainda não tínhamos arranjado namoradas e como dois e dois são quatro logos ali foi descoberto o nosso segredo.
O pai do Carlos pessoa embora temente a Deus como o meu, mas sem qualquer formação académica e de mau feitio logo atirou ordinariamente:
- Mas vocês são paneleiros ?
Ambas as mulheres se benzeram não pelo palavrão mas pela descoberta.
Meu pai pessoa bastante homofóbica comentou:
- Meu filho se isso é verdade está atentando contra tudo o que vos ensinámos quanto aos mandamentos da lei de Deus. O homem fez-se para procriar enão para se entenderem sexualmente entre si. Nesta casa abençoada jamais permitirei a vossa presença.
Perante tais palavras descobri que aqueles pais eram a personificação da homofobia. Já estávamos no fim da refeição o Carlos encheu um copo de vinho depois outro que estava no alinhamento do meu prato e ambos os levantámos batendo um no outro como saudação e sem quaisquer outras palavras bebemos como se fosse a última ceia. Levantámo-nos demos as mãos e saímos porta fora.
Ficaram para traz especados com as nossas atitudes e Isabel lavada em lágrimas desapareceu da casa de jantar.
Para traz ficaram dezoito anos de sacrifícios e mentiras por causa de uma sociedade que não quer entender que o amor não escolhe idades ou géneros.
Naquelas cinco pessoas a única que sabia e entendia a nossa relação era a Isabel. Talvez por ter aceite atempadamente o segredo do seu namorado Jorge quando este lhe contou que a sua tendência sexual não era totalmente heterossexual mas sim bissexual.
Quanto saímos daquela casa a cheirar a mofo, fomos tomar uns copos ao Trumps onde encontrámos o Jorge em amena cavaqueira com um amigo. Contamos o que tinha acontecido e este deu-nos os parabéns por termos tido a coragem de termos saído do armário mandou vir uma garrafa de champanhe e logo se prontificou a oferecer-nos emprego da sua empresa de engenharia que tinha formado há pouco tempo, caso o emprego que tínhamos encontrado não fosse conveniente.
Agradecemos e informámos que já estávamos colocados numa empresa estrangeira de informática.
A vida continuou
Por volta das seis da manhã voltamos para o nosso apartamento e depois de uns duches reconfortantes lá fomos para a cama agora libertos de preconceitos e livres do esconde-esconde. Eramos dois homens novos que se amavam e iriamos ser felizes.
Tudo aconteceu rapidamente durante aqueles dez anos. Eramos dois homens normais sem tiques e sem divulgarmos que eramos gays tal como os hetro não andam dizendo que o são. Subimos na vida economicamente. Compramos uma vivenda na periferia de Lisboa, dávamos algumas festas em casa com vários amigos alguns casados e com filhos sendo uma visita e amiga permanente a Isabel com um novo namorado. Quanto ao Jorge, nunca mais o vimos. Os nossos amigos e amigas quando visitavam a nossa casa embora tivéssemos dois quartos nunca de pôs a questão de onde dormíamos. Eram toas pessoas bem formadas e nunca se tocou no assunto. A única que sabia e com quem trocávamos impressões e desabafos era com a Isabel assim como notícias dos nossos pais.
Cada um tinha o seu carro e fazíamos uma vida social como quaisquer outros.
Um dia, já estávamos na casa dos trinta, quando o Carlos ao dirigir-se ao Algarve para tratar de uns assuntos profissionais teve um acidente de automóvel e veio em estado grave pelo INEME para o hospital de São José. Quando soube do acidente através da Isabel corri para o hospital e quando lá cheguei deparei-me com os pais do Carlos à porta da enfermaria e não me deixaram entrar. Protestei vivamente e logo chamaram médicos, enfermeiros e segurança para evitarem a minha entrada pois era restrita a familiares.
Tentei por vária vezes ir junto do Carlos contando inclusive que era meu companheiro e tudo me foi barrado. Nem à porta me deixaram ficar. Pegaram em mima ao colo e puseram-me na rua onde permaneci dois dias até ao desfecho final.
A quando do funeral, foi feito à porta fechada e o corpo cremado no Alto São João sempre guardado por seguranças para evitar a minha aproximação.
Foram três dias de desespero sem coragem para ir a casa.
Depois das Ezequias quando cheguei a casa tinha a porta selada e com um edital proibindo a minha entrada.
Os pais do Carlos tinham-se apoderado judicialmente da nossa habitação alegando que tudo era do filho.
Naquele dia quando vi os pais do Carlos saírem do tribunal com ar vitorioso soube através do meu advogado que o tribunal tinha declarado ser metade de tudo para os pais como herdeiros. O que me valeu foi que a propriedade estava em nome dos dois mas mesmo assim teria que ser tudo avaliado e só teria direito a cinquenta por cento independentemente de quem tinha comprado o quê.
Esta história poderá ser a sua, portanto tenha cuidado quando se juntar com alguém pois há sempre oportunistas que sem escrúpulos podem destruir a sua vida.
NOTA: Você que é meu leitor habitual ou que chegou aqui pela primeira vez e ainda tem lágrimas para deitar recomento que veja atentamente este belo filme que nada mais é que uma história de amor que também poderia ter escrito. Se no fim chorar não se importune pois os homens também choram. Não é por acaso que no Youtub tem mais de 370 mil visualizações.
Just A Question of Love
FIM
As fotos aqui apresentadas são livres de copyright e retiradas da Net.
Qualquer semelhança com factos reais é mera coincidência, ou não! O geral ultrapassa a ficção
Nelson Camacho D’Magoito
“Contos ao sabor da imaginação”
Para maiores de 18 anos
© Nelson Camacho
2014 (ao abrigo do código do direito de autor)
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